Desmistificar a Ansiedade
O guia completo para compreender a ansiedade, os sintomas, e encontrar a estratégia para retomar o controlo da sua vida.
Em Portugal 7 em cada 100 pessoas sofre de níveis altos de ansiedade.
Era uma vez, há cerca de 300 mil anos, um simpático homo sapiens chamado John. Ele saiu da sua caverna num lindo dia de sol e preparou-se para caçar. John estava com ansiedade, mas sabia que precisava trazer comida para a sua família, custe o que custasse.
Enquanto se embrenhava na selva, todos os seus sentidos estavam alerta. De repente, John notou algo selvagem nos seus arredores e congelou. No entanto, ele rapidamente reconheceu os olhos do animal e percebeu que seria ele o caçado em vez do caçador.
A adrenalina percorreu todo o corpo de John enquanto ele começava a correr como um Usain Bolt pré-histórico, descalço e sem olhar para trás. Ele sabia que precisava manter a sua família segura, e estava determinado a fazê-lo, custasse o que custasse.
O que esta história pré histórica tem a ver com a sua ansiedade? Tudo.
No século XXI, já não precisamos caçar como John fazia há 300 mil anos. Pois temos a sorte de poder ir ao supermercado e comprar carne, e as ferramentas modernas tornam a nossa vida mais fácil, levando-nos diretamente ao supermercado. Além disso, não precisamos nos preocupar com predadores, já que somos considerados a espécie mais evoluída do planeta, com acesso a todos os recursos que precisamos.
No entanto, mesmo com toda essa evolução, ainda enfrentamos um “problema”. O nosso corpo ainda funciona com a mesma base sensorial e endócrina que John possuía, pois herdamos a sua resposta de luta ou fuga, que é completamente normal no nosso corpo, por isso quando somos expostos a um estímulo que reconhecemos como ameaça, a nossa amígdala cerebral automaticamente dispara respostas ideomotoras que nos fazem sentir os sintomas de fugir ou lutar, dependendo do perigo eminente.
Essa resposta é uma parte natural do nosso sistema nervoso, e pode ser desencadeada por situações diversas, como estresse no trabalho, conflitos pessoais ou medo de situações novas, contudo, é importante entender que essa resposta não é prejudicial em si mesma, mas pode se tornar um problema se for constantemente acionada, levando a problemas de saúde mental.
Em suma, os sintomas de ansiedade são como se estivéssemos a fugir de um animal perigoso:
- Toda a nossa atenção fica voltada para o perigo, e para as sensações físicas.
- A nossa frequência cardíaca sobe e a pressão arterial aumenta.
- A nossa frequência respiratória aumenta, o que leva á Hiper oxigenação.
- A nossa tensão muscular aumenta.
- A saliva diminui, causando uma sensação de boca seca.
- A temperatura corporal aumenta, causando sudorese.
- O nosso trabalho intestinal para, causando vómitos e náuseas.
- Existe uma contração da bexiga, levando por vezes á perda de urina.
Ansiedade no século XXI
Agora apresento-lhe o João, o primo do John que viveu há 300 mil anos atrás, contudo com uma história diferente. João é casado e tem dois filhos, um de 3 anos e outro de 9 anos, e trabalha num escritório de seguros. Apesar da vida parecer mais fácil em comparação com a de John, em suma, João encontra-se muitas vezes em estado de estresse. O seu chefe pressiona-o constantemente, a sua esposa discute com ele o tempo todo e os seus filhos testam a sua paciência diariamente.
Certo dia, João experimenta um ataque de ansiedade agudo. Ele começa a sentir falta de ar, tenta respirar mais rápido para recuperar o fôlego, a sua visão fica turva, as suas mãos começam a suar e os seus braços e pernas ficam tensos. Por fim, ele vomita o pequeno almoço. O João fica apavorado, pensa que vai morrer com um ataque cardíaco pois os seu coração não para, então decide ir para o hospital.
Qual é a diferença do João para o John?
O João agora pensa muito mais.
Exato, como seres humanos, desenvolvemos o nosso neocórtex, todo um cérebro mais evoluído que nos faz pensar, calcular e imaginar.
O que aconteceu com o João?
O João acordou e procedeu á sua rotina matinal, até começar a tomar o pequeno almoço, contudo durante a sua refeição o João começou a pensar no trabalho. De facto já estava a imaginar o seu chefe, logo pela manhã a atribuir-lhe mais tarefas do que aquelas que ele conseguiria terminar. Começou a calcular o pior. Devido ao seu medo antecipado, e imaginário, despoletou um ataque de ansiedade.
No caso do João, mal ele começou a pensar na ameaça, o seu corpo começou a reagir imediatamente, como mecanismo de proteção, pois o sistema de Luta ou fuga foi acionado, para o proteger e fugir daquela situação. Exato, o João foi vítima dos seus próprios pensamentos, e da sua própria evolução como espécie.
Como atuar em caso de um pico de ansiedade ?
Como o mecanismo de ansiedade foi despoletado pelo conjunto de pensamentos, devemos retirar a nossa atenção desse círculo vicioso, e afunilar o nosso foco, contudo estes exercicios apenas aliviam um pico de ansiedade de forma temporária.
- Respiração Quadrado
Imagine um quadrado, 30 cm á frente da sua cara, num dos lados do quadrado inicie uma inspiração de 5 segundos até chegar ao outro lado do quadrado, depois no lado do quadrado seguinte, sustenha a respiração durante 5 segundos, chegando ao lado do quadrado seguinte expire por mais 5 segundos e chegando ao outro lado do quadrado, sustenha a respiração por mais 5 segundos, até completar o quadrado. Repita alguns quadrados até normalizar o seu estado.
- Estimulação da visão periférica
Foque se num ponto ou num objeto á sua frente, no entanto nunca desvie o olhar desse ponto, vá tendo a perceção de outros objetos e cores, á sua volta. Sem nunca desviar a atenção desse ponto.
- Estimulação Bilateral
Com os dos braços esticados á frente do seu corpo, agarre um objeto com uma das mãos, e leve a sua atenção para esse objeto. Movimente um braço de cada vez, alternando para a esquerda e para a direita, então transporte o objeto em cada uma das mãos, continue a focar-se no objeto, respirando.
No caso do João, a menos que estivesse sozinho, poderia até fazer uma série de flexões. Exatamente para responder ao comportamento de luta ou fuga com exercício físico.
Os derivados da ansiedade
Como seres evoluídos desenvolvemos mais uma serie de transtornos derivados da ansiedade como:
- TAG – Transtorno de ansiedade generalizada
- Transtorno de ansiedade de separação
- Fobia especifica
- Transtorno de ansiedade social (fobia Social)
- Transtorno de pânico
- Agorafobia
- TSPT – Transtorno de stress pós traumático
- Transtorno de ansiedade de Doença
- TOC – transtorno obsessivo compulsivo
Associações
Dependendo da intensidade, e duração do pico de ansiedade, e do estado constante de stress do João, o cérebro dele, mais precisamente o hipocampo, relacionado com as memórias, pode ter desenvolvido uma serie de associações ligadas á sua ansiedade, por exemplo:
- Cada vez que o João pensa no chefe, tem ansiedade
- Cada vez que o João pensa no trabalho, tem ansiedade
- Cada vez que o João come os mesmos Cornflakes que estava a comer quando teve o pico de ansiedade, tem ansiedade
Portanto, quanto mais tempo o João permanecer nesta situação, mais o cérebro vai criar ligações com a sua ansiedade. Então a ansiedade torna-se um mecanismo aprendido e consolidado, em todo o seu sistema cognitivo, endócrino e nervoso.
Ideias a reter
Quando sofremos de algum tipo transtorno de ansiedade, devemos ter sempre a noção de que todos, derivam daquele mecanismo de proteção criado pelo nosso corpo para nos ajudar, portanto, o sistema de luta ou fuga. Em suma quando tiver algum pico de ansiedade, lembre-se sempre disto
- A ansiedade não mata, ou seja, é um mecanismo de defesa.
- Quanto mais luta contra a ansiedade mais ansiedade vai ter.
- Este mecanismo tem uma duração limitada para o nosso corpo.
Quebrar o mito
A ansiedade não é uma herança genética. mas pode ser um mecanismo aprendido com os seus pais. Ou pelo seu ambiente. Assim como pode ser desaprendido.
Segundo as mais recentes pesquisas sobre epigenética, nós não somos vítimas dos nossos genes, contudo somos criadores da nossa própria biologia devido aos nossos pensamentos, e ao nosso ambiente externo.
Segundo a Terapia Cognitivo Comportamental (a terapia de momento com mais resultados a tratar transtornos de ansiedade). O que leva aos nossos pensamentos (muitas vezes causadores da ansiedade), são as nossas crenças. Em suma, estas crenças são aprendidas durante a nossa vida, principalmente na infância. O trabalho na TCC, é a desconstrução de todo o nosso sistema de pensamentos, crenças intermédias e crenças nucleares. Assim sendo, a TCC aliada á hipnoterapia, traz resultados extremamente rápidos.
Partindo para o tratamento
- Fazer o diagnóstico
O diagnostico deverá ser feito por um profissional credenciado para o efeito, pois nesta fase, o seu estado de ansiedade deverá ser avaliado e classificado por um ou vários transtornos descritos acima.
2. Classificar o transtorno de leve, moderado, a grave
Isto pelo impacto na vida pessoal, profissional, e contudo a nível de sofrimento.
Pelo tempo de duração, se são casos temporários ou permanentes, na vida da pessoa.
E pela resistência a algum tipo de tratamento.
3. Partir para o tratamento efetivo
Em casos de transtornos graves deverá consultar um psiquiatra, para avaliar a situação e assim ser receitado algum tipo de medicamento que possa atenuar as crises de ansiedade, para depois ser mais fácil reeducar o seu comportamento.
Contudo, lembre-se sempre que a medicação deverá ser temporária e que não alterará as suas crenças nem o ensinará e ter outro tipo de pensamentos no futuro.
Recursos naturais
Em casos de transtornos moderados a leves, poderá partir para um tratamento sem medicação e contudo, utilizar recursos naturais e alternativos
- A terapia cognitivo comportamental (TCC) é a que tem demostrado mais resultados.
- Hipnoterapia aliada á TCC trará resultados mais rápidos e efetivos
- O Mindfulness pode ser usado como prevenção isto porque o irá treinar a desenvolver um mecanismo de atenção plena e mais focado no momento presente, pois os seus pensamentos não vão estar tanto tempo focados no futuro. Tai chi e Yoga podem estar incluídos nestas práticas.
- Atividades Físicas aeróbicas, irão ajudá-lo a libertar-se dos estados constantes de stress.
- Alimentação saudável, irá ajudar a manter o seu sistema endócrino regulado.
O importante, será sempre reeducar o seu organismo e o seu sistema cognitivo a ter outra resposta ao estado de ansiedade.
Lembre-se. O estado de ansiedade é um estado normal, que deverá sentir em várias fases da vida. Contudo, se não tivéssemos esta resposta, o John e a sua família teriam sido caçados, e hoje não estaríamos aqui.